domingo, 1 de setembro de 2013

“Eu apenas olho, observo, vejo...”

Podemos tentar fingir ser quem não somos ou esconder uma dor ou uma paixão? Postura, maquiagem, roupas, acessórios externos nos ajudam a ‘incorporar’ outro alguém e a fugir da realidade. Mas, e nossos olhos? Eles nos deixam mentir? Será que bem lá no fundo essas verdades não estarão escancaradas?
Esse assunto, despertado numa conversa com um amigo sobre o que o olhar numa fotografia pode revelar, ficou em minha cabeça e passei a considerá-lo um excelente tema para retomar meu blog sobre cinema.
O cinema, que nada mais é do que a ilusão do movimento, existe graças a um fenômeno fisiológico do olho humano, a persistência retiniana. Esse fenômeno mantém a imagem em fração de segundos na nossa retina. Tempo suficiente para que a próxima imagem comece e ‘magicamente’ e o movimento aconteça.
Além disso, a câmera de cinema é um olho mecânico, que conduzido pelas intenções e vontades do diretor, nos faz ver o que ele quer, como ele quer e da forma que ele quer. Ah, pobre de nós expectadores! Nos achamos conhecedores de toda a história, de todo cenário, muitas vezes cúmplices dos personagens...  

TSC TSC...

Vimos, apenas, o que câmera nos levou a ver, percebemos o que ela nos mostrou. Nada além do que está ali. E nessa discussão sobre o olhar e seu poder, escolhi três filmes para uma breve amostra do tema: “O Segredo de seus Olhos” (Juan Jose Campanella, 2009), “Janela da Alma” (João Jardim, 2001) e “Dançando no Escuro” (Lars Von Trier, 2000).  

Ah, claro! Poderia ter escolhido tantos outros filmes, mas confesso que faltou tempo para assistir e aqui e ali alguns ficaram pelo caminho...  Quem sabe, volto com o tema num futuro nem tão distante assim.

O Segredo de Seus Olhos (Juan Jose Campanella, 2009)


Escolhi esse filme pelo nome. Depois de ler algumas críticas percebi o quanto ele tinha a ver com ideia do ‘olhar’ surgida em minha conversa. Ainda não o havia assistido e tive uma grata surpresa. O filme é thriller policial sem os exageros de explosões e sangue hollywoodianos, cercado de dramas internos e muito bem dirigido por Campanella.

Vale ressaltar que Campanella tem alguma experiência em Hollywood, onde já dirigiu episódios de séries como “House” e “Law & Order”, apesar de o próprio ter dito em entrevistas por aí que não gosta de Los Angeles e que gosta de ficar em Buenos Aires, onde está toda sua vida.

Bom, voltando ao filme, “O Segredo de seus Olhos” foi baseado no livro de Eduardo Sacheri, autor do roteiro juntamente com Campanella. Em 2010, o filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (ano que Bigelow desbancou a ‘bobajada’ de Avatar...mas isso é conversa para outro post).

Trata-se de uma história atemporal e universal, que poderia acontecer em qualquer lugar do mundo e só nos lembramos que acontece na terra dos ‘hermanos’ por alguns episódios da ditadura argentina e pela paixão pelos clubes de futebol de lá. Sem contar as belíssimas interpretações de Ricardo Darín (sempre parceiro de Juan Campanella em filmes como “O Filho da Noiva”), da cantora e atriz Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino e Guillermo Francella.

Além da história principal, o filme é cercado de pequenos dramas de cada um dos personagens, principalmente do detetive Espósito, interpretado por Darín. A profundidade dramática não cai no melodrama e não se perde com resoluções simplistas e fáceis, longe do melhor estilo, ‘o bem vence o mal’ de Hollywood.

O olhar é tão destacado que numa das cenas, Espósito afirma “Os olhos... falam! Os olhos falam demais. Melhor que se calem! Às vezes é melhor não olhar!”. Cada olhar de cada personagem revela um pouco de seus dramas e angústias.

Em toda sua parte técnica o filme merece destaque. Nada de exageros, tudo simples, mas ‘um’ simples que se encaixa perfeitamente à necessidade fílmica. Quadros bem compostos, planos interessantes, figurinos e cenários que deixam claro a alternância do tempo, fotografia de Félix Monti, trilha sonora. Tudo simples e muito bem costurado.

Um grande filme para ver, rever como novos olhares e novas descobertas!

P.S.1: e de quebra ainda tem o charme do muito interessante Ricardo Darín!
P.S. 2: Os outros dois filmes serão outros posts, pois este ficou bastante longo.