Podemos tentar fingir ser quem não somos ou esconder uma
dor ou uma paixão? Postura, maquiagem, roupas, acessórios externos nos ajudam a
‘incorporar’ outro alguém e a fugir da realidade. Mas, e nossos olhos? Eles nos
deixam mentir? Será que bem lá no fundo essas verdades não estarão
escancaradas?
Esse assunto, despertado numa conversa com um amigo sobre
o que o olhar numa fotografia pode revelar, ficou em minha cabeça e passei a
considerá-lo um excelente tema para retomar meu blog sobre cinema.
O cinema, que nada mais é do que a ilusão do movimento, existe
graças a um fenômeno fisiológico do olho humano, a persistência retiniana. Esse
fenômeno mantém a imagem em fração de segundos na nossa retina. Tempo
suficiente para que a próxima imagem comece e ‘magicamente’ e o movimento
aconteça.
Além disso, a câmera de cinema é um olho mecânico, que
conduzido pelas intenções e vontades do diretor, nos faz ver o que ele quer,
como ele quer e da forma que ele quer. Ah, pobre de nós expectadores! Nos
achamos conhecedores de toda a história, de todo cenário, muitas vezes
cúmplices dos personagens...
TSC TSC...
Vimos, apenas, o
que câmera nos levou a ver, percebemos o que ela nos mostrou. Nada além do que
está ali. E nessa discussão sobre o olhar e seu poder, escolhi três filmes para
uma breve amostra do tema: “O Segredo de seus Olhos” (Juan Jose Campanella,
2009), “Janela da Alma” (João Jardim, 2001) e “Dançando no Escuro” (Lars Von
Trier, 2000).
Ah, claro! Poderia ter escolhido tantos outros filmes,
mas confesso que faltou tempo para assistir e aqui e ali alguns ficaram pelo
caminho... Quem sabe, volto com o tema
num futuro nem tão distante assim.
O Segredo de Seus Olhos (Juan Jose Campanella, 2009)
Escolhi esse filme pelo nome. Depois de ler algumas críticas
percebi o quanto ele tinha a ver com ideia do ‘olhar’ surgida em minha
conversa. Ainda não o havia assistido e tive uma grata surpresa. O filme é thriller
policial sem os exageros de explosões e sangue hollywoodianos, cercado de dramas
internos e muito bem dirigido por Campanella.
Vale ressaltar que Campanella tem alguma experiência em
Hollywood, onde já dirigiu episódios de séries como “House” e “Law & Order”,
apesar de o próprio ter dito em entrevistas por aí que não gosta de Los Angeles
e que gosta de ficar em Buenos Aires, onde está toda sua vida.
Bom, voltando ao filme, “O Segredo de seus Olhos” foi baseado
no livro de Eduardo Sacheri, autor do roteiro juntamente com Campanella. Em
2010, o filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (ano que Bigelow
desbancou a ‘bobajada’ de Avatar...mas isso é conversa para outro post).
Trata-se de uma história atemporal e universal, que
poderia acontecer em qualquer lugar do mundo e só nos lembramos que acontece na
terra dos ‘hermanos’ por alguns episódios da ditadura argentina e pela paixão
pelos clubes de futebol de lá. Sem contar as belíssimas interpretações de
Ricardo Darín (sempre parceiro de Juan Campanella em filmes como “O Filho da
Noiva”), da cantora e atriz Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino e
Guillermo Francella.
Além da história principal, o filme é cercado de pequenos
dramas de cada um dos personagens, principalmente do detetive Espósito,
interpretado por Darín. A profundidade dramática não cai no melodrama e não se
perde com resoluções simplistas e fáceis, longe do melhor estilo, ‘o bem vence
o mal’ de Hollywood.
O olhar é tão destacado que numa das cenas, Espósito afirma
“Os olhos... falam! Os olhos falam demais. Melhor que se calem! Às vezes é
melhor não olhar!”. Cada olhar de cada personagem revela um pouco de seus
dramas e angústias.
Em toda sua parte técnica o filme merece destaque. Nada
de exageros, tudo simples, mas ‘um’ simples que se encaixa perfeitamente à
necessidade fílmica. Quadros bem compostos, planos interessantes, figurinos e
cenários que deixam claro a alternância do tempo, fotografia de Félix Monti, trilha
sonora. Tudo simples e muito bem costurado.
Um grande filme para ver, rever como novos olhares e
novas descobertas!
P.S.1: e de quebra ainda tem o charme do muito
interessante Ricardo Darín!
P.S. 2: Os outros dois filmes serão outros posts, pois
este ficou bastante longo.